A atual situação do sistema de transportes brasileiro deve ser analisada considerando os diversos fatos históricos que levaram a ela, durante cada ciclo econômico pelo qual o país passou.
No período de 1880 a 1930, a economia brasileira se baseava na exportação de produtos primários (como café, açúcar e algodão), em atividades de pecuária extensiva e na extração de madeira e borracha. Entre 1900 e 1929, o PIB total quase quadruplicou e teve com poucas quedas, estas devidas a variações da demanda externa (da qual a economia tinha forte dependência). A função do transporte nesse período era a de escoar a produção para o litoral, sendo utilizado, para isso, o modal ferroviário, enquanto utilizava-se o hidroviário para viagens aos países industrializados (apesar de que a maior parte do tráfego de longo curso era feita por navios estrangeiros). Como as ferrovias ligavam as regiões produtoras apenas ao litoral, os transportes entre as regiões eram feitos, geralmente, por cabotagem (navegação dentro do país). Não houve um projeto nacional para a construção das ferrovias, e, por isso, elas acabavam sendo feitas com traçados deficientes e sinuosos, com materiais de características diferentes, isoladas umas das outras, e grande parte por iniciativas privadas. O transporte rodoviário não teve destaque nesse ciclo, sendo implantado apenas para ligar centros urbanos próximos.
De 1930 a 1945 ocorreram mudanças no sistema econômico do país, por causa da Crise de 1929 (crise de superprodução dos EUA, já então grande potência econômica mundial, que levou a uma grande recessão econômica que afetou todo o mundo, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial), sendo uma fase de transição para o ciclo industrial. Com o mercado internacional em crise, a economia baseada em exportações não podia mais se desenvolver. Assim, ocorreu uma transição de uma economia aberta e altamente dependente do mercado externo para o fechamento que favoreceu a industrialização, através de medidas governamentais de suspensão e negociação do pagamento da dívida externa e substituição de importações. Com a transferência da renda das exportações de café para a indústria, o Brasil teve condições mais favoráveis de enfrentar a crise que outros países latinos.
O sistema de transportes não era integrado (devido à maior relação dos pólos regionais com o mercado internacional do que com o nacional, e à falta de complementaridade entre os diferentes modais), e os sistemas ferroviário e portuário se deterioraram, pela diminuição das exportações e dificuldade de reposição de materiais necessários à manutenção (pelas restrições a importações). Assim, a unificação do mercado interno não podia ocorrer por ferrovias, e o modal rodoviário foi o meio escolhido para suplementar a capacidade das ferrovias no deslocamento dos bens industrializados dentro do país, sendo uma alternativa mais ágil, barata e abrangente. Também foi elaborado o Plano Nacional de Viação, visando à padronização e uniformização dos investimentos em transportes, e iniciou-se o desenvolvimento de uma infraestrutura aeroportuária e de uma rede de transporte aéreo comercial, para conectar áreas mais afastadas do país às cidades litorâneas.
De 1945 a 1980, com o avanço da industrialização, o modal rodoviário se consolidou como o principal no Brasil. Houve um aumento na produção relativa de automóveis de passageiros de 3,8% para 80,1% da produção física da indústria de automotores, assim como um aumento na produção efetiva de veículos comerciais leves, ônibus e caminhões, entre 1957 e 1980. A evolução da indústria levou a um aumento do PIB de quase dez vezes entre 1947 e 1980. As exportações também aumentaram a partir dos anos 70, por estímulos governamentais e pela maior estabilidade dos produtos agrícolas e manufaturados brasileiros no mercado internacional. O governo federal progressivamente tomou o controle de atividades privadas ferroviárias e portuárias em decadência, procurando prover os recursos necessários à sua modernização e reequipamento. Porém, esses transportes estavam obsoletos e em condições precárias, e o governo não tinha condições de operá-los com eficiência. Assim, foi dada prioridade à construção e pavimentação de estradas.
Após esse período, a economia brasileira sofreu uma prolongada estagnação de mais de duas décadas, o que apontava para o esgotamento do ciclo industrial, mas sem novas opções de mudança da estrutura econômica. A renda per capita permaneceu praticamente inalterada, crescendo apenas 6% de 1980 a 2004. O aumento das exportações ajudou a compensar o baixo crescimento industrial. A crise dos mercados financeiros foi acompanhada pelo endividamento crescente dos países tomadores de empréstimos, dentre eles o Brasil, que, além do aumento da dívida externa, sofreu um período de estagnação e inflação descontrolada. Com a abertura comercial nos anos 90, muitas empresas saíram do mercado, devido ao despreparo para uma competição mais acirrada com as empresas estrangeiras, enquanto outras conseguiram se reestruturar. As exportações brasileiras cresceram tanto em valor quanto em volume, com uma maior diversidade de produtos exportados, e esse crescimento ajudou a reverter a tendência de grandes saldos negativos na balança comercial no período de 1994 a 2002. As atividades de logística e transporte seguiram estagnadas juntamente com a economia industrial nesse período.
O setor de transportes, atualmente, depois da recuperação da economia, ainda enfrenta certos problemas de infraestrututa. Como exemplo, temos que o sistema de transportes brasileiro não responde satisfatoriamente aos fluxos gerados pelas relações com os países vizinhos (como o MERCOSUL), devido a fatores como: rodovias em condições precárias, com descontinuidade, deficiências no pavimento, na sinalização e no policiamento; ferrovias em mau estado de conservação, descontínuas, com bitolas diferentes; transporte fluvial pouco explorado relativamente ao seu potencial, com portos deficientes e embarcações inadequadas; e cabotagem regional prejudicada pela deficiência dos portos.
Como visto, o modal rodoviário teve um grande desenvolvimento durante o período de industrialização do país, enquanto que os outros não tiveram a mesma atenção, e mesmo aquele está em condições ruins atualmente. Faz-se necessário um novo planejamento do setor de transportes, com o objetivo de desenvolver a infraestrutura de transportes para maior utilização do potencial dos modais ferroviário, hidroviário e aéreo no Brasil, e ainda sanar os problemas do transporte rodoviário, o que exige um maior investimento dos recursos públicos nesse setor, em prol de um sistema mais integrado, com maiores possibilidades de relações entre os diferentes modais (multimodalidade). Isso parece já estar acontecendo, com os investimentos para os eventos desportivos que serão realizados no Brasil nos próximos anos, a saber a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Resta-nos esperar para ver se os novos projetos para o setor de transportes serão concretizados e funcionarão de forma eficiente, não apenas em função dos eventos citados, mas sim para o desenvolvimento de um sistema de transportes mais integrado e que auxilie o processo de crescimento econômico do país.
Mike Willer