Há mais de duas décadas discute-se o impacto ambiental e social de estradas na Amazônia. Quanto mais as análises se sofisticam, menos influência têm na decisão – sempre política – de fazer uma obra de infra-estrutura. Enquanto no passado existiam vetores sociais e financeiros de pressão, hoje a decisão é tomada em gabinetes de políticos desgastados e sem credibilidade; o debate público é irrelevante e não existem mecanismos suficientemente fortes que consigam colocar o interesse público acima do privado.
O desenvolvimento do Amazonas, centrado na Zona Franca de Manaus, tornou desnecessária a vinculação rodoviária com o país. Esse modelo trouxe benefícios ambientais pois evitou a pressão migratória sobre os recursos do estado, região que apresenta uma das menores taxas de desmatamento em toda a Amazônia.
Depois de muita pressão da sociedade, exigência do Ministério Público e determinação do Ministério do Meio Ambiente, o Ibama está realizando Audiências Públicas para análise do Estudo de Impacto Ambiental. O trabalho foi realizado pela UFAM – Universidade Federal do Amazonas e se concentra no trecho localizado entre os quilômetros 250 e 655,7.
ARGUMENTOS PARA A PAVIMENTAÇÃO
O problema principal da BR 319 é que não existem justificativas econômicas para sua reativação. O EIA-RIMA demonstra a seguinte argumentação:
"No âmbito econômico, a rodovia tem como objetivo ser uma opção de escoamento da produção industrial de Manaus para o centro-sul país, fornecendo uma opção de modal, principalmente para produtos de alto valor agregado, que perdem competitividade pelo tempo de chegada ao mercado consumidor. Também promoverá o escoamento da produção agro-extrativista local tanto dos municípios produtores do interior em direção as capitais, quanto entre os municípios produtores. Este processo poderá constituir importante fator estimulador da economia dos municípios do interflúvio Purus-Madeira." (RIMA:7).
O argumento social para a pavimentação, apresentado no RIMA, também é inconsistente: "No âmbito social, a rodovia será de fundamental importância na promoção de maior acesso da população residente na área do interflúvio Purus-Madeira, grande parte assentada como parte do projeto original de construção da rodovia, a serviços básicos de saúde e educação, pois estes serviços se concentram em Manaus e Porto Velho" (RIMA:7).
A justificativa geopolítica para a pavimentação da estrada está baseada em dois argumentos: um, a conexão com a controversa Iniciativa para Infra-estrutura da América do Sul – IIRSA que prevê a integração da América Latina por meio de obras de infra-estrutura; de acordo com o RIMA, a BR 319 será um eixo de integração rodoviária do norte ao sul da América do Sul.
O outro argumento ressuscita as tradicionais ameaças de internacionalização da Amazônia alertando para os riscos de "uma certa intervenção internacional através de organizações governamentais e até mesmo governos" utilizando como exemplo a Iniciativa para Conservação da Bacia Amazônica lançada em 2006.
AVALIAÇÃO DE IMPACTOS
Negativos
- Perturbações ao patrimônio arqueológico.
- Enfraquecimento e vulnerabilidade de ordem social.
- Despovoamento de terras indígenas.
- Conflitos entre populações locais e migrantes.- Acidentes decorrentes da circulação rodoviária.
- Ocupação desordenada nas áreas do entorno.
- Incidência dos casos de doenças de veiculação hídrica.
- Alteração da estrutura fundiária.
- Incidência dos casos de dengue, leishmaniose tegumentar, malária e febre amarela.
Positivos
- Alteração na mobilidade espacial.
- Alteração nas demandas por bens e serviços públicos.
- Aumento dos rendimentos, na oferta de postos de trabalho e nas arrecadações públicas.
- Facilitação do escoamento da produção.
- Potencialização do turismo local e oportunidade de acesso a cultura e lazer.
- Fortalecimento de associações e cooperativas.
- Diminuição da evasão escolar, facilidade no acesso ao ensino médio, superior e capacitação profissional.
- Conhecimento da região.
- Ampliação e eficiência de alternativas rodoviárias.
- Aumento da governança e da integração regional.
- Recuperação de passivos ambientais criados pela abertura da estrada.
Por fim, no que se refere aos cenários, foram dispostas quatro possibilidades: reconstrução da estrada "sem governança", com "baixa governança", com "forte governança" e "o mesmo de sempre". Toda a segurança de que os impactos da estrada serão controlados depende exclusivamente da forte presença do Estado na área. Não há nenhum outro elemento institucional, social ou político que possa desempenhar esse papel. Ora se é o Estado o promotor da obra e dos impactos, como confiar somente nele para que ações de controle aconteçam?
Não há, portanto, a menor confiabilidade de que o processo na BR 319 será diferente de todas as outras obras de infra-estrutura já implantadas na Amazônia. Pior que isso, quando se trata de analisar o cenário chamado de "o mesmo de sempre" a opção é a manutenção da tendência histórica sem a implantação de uma nova via de acesso entre Manaus e Porto Velho, o que significa, "a aceleração da ocupação desorganizada e predatória".